OS BOOKTUBERS COMO UMA FORMA DE INCENTIVAR A LEITURA
Talvez você já tenha percebido como cada vez mais a Internet aproxima as pessoas de seus interesses. Quero dizer, conteúdos específicos de um nicho vão se espalhando por aí e chegam até cada um de nós. Tem quem goste de saber sobre videogames, dicas de beleza, novidades no universo da música, tendências da tecnologia, críticas de filmes e... de livros. Você se encaixa nessa galera?
Os canais literários que estão atualmente no YouTube começaram a ser do interesse daquelas pessoas que gostam bastante de ler e que têm curiosidade para conhecerem mais sobre os autores e sobre as novidades do mercado editorial, como lançamentos, edições especiais e outros assuntos específicos.
Quem produz o conteúdo desses canais são os chamados Booktubers, sendo uma combinação da palavra “book” (livros) com o sufixo “tube” (de YouTube). Eles são os responsáveis por pensar nas pautas que irão desenvolver em seus respectivos canais, além de gravar e editar seus vídeos, e de trabalhar na divulgação do conteúdo que produzem.
Podemos dizer que eles ampliaram o nicho da literatura tanto para quem já gostava de ler quanto para quem está criando esse hábito agora, e não tinha com quem conversar sobre o assunto na “vida real”.
É o caso do canal Literature-se, de Mellory Ferraz. A estudante de Estudos Literários (Unicamp), de 24 anos, começou a publicar alguns vídeos falando sobre os livros que lia quando tinha dezessete anos e passava por grandes mudanças em sua vida. “Criei o canal em 2010, eu tinha acabado de mudar para o Guarujá e lá eu só conhecia uma tia minha”, começa contando, “foi uma mudança muito repentina na minha vida e acabou que eu não tinha ninguém para conversar, assim, pessoalmente, sobre literatura”.
Mellory se sentia bastante sozinha e, como já tinha blog desde quando esse formato passou a se tornar mais conhecido por aí, ela decidiu utilizar esse espaço totalmente online para falar sobre seus interesses pela leitura. “Eu já tinha um blog, mas não sobre literatura. Mas eu pensei, ‘por quê não criar um blog sobre literatura?’, assim eu posso chamar mais pessoas que tenham o mesmo interesse que eu, além de conversar com essas pessoas”, comenta.
Você já deve ter visto canais sobre um determinado produto, como um celular ou um videogame, certo? Percebeu como as opiniões são mais parecidas, já que se trata de um objeto com características técnicas? Pois é, diferentemente dos produtores de conteúdo que são conhecidos por fazerem críticas e comentários sobre produtos assim, os booktubers expressam a sua própria opinião com base em sua visão de mundo e estando de acordo com seus interesses. As opiniões expostas pelos booktubers são consideradas como subjetivas, isto é, eles argumentam sobre aquilo que acharam sobre uma determinada leitura em si.
Os comentários podem ser sobre a escrita do autor, características das personagens, enredo e outros aspectos, e podendo ser até mesmo visuais, como a textura e elementos presentes na capa do livro. Então, você consegue encontrar vídeos sobre um mesmo livro, mas como são publicados por booktubers diferentes, as opiniões podem ser totalmente contrárias! Incrível!
Publicar vídeos sobre literatura no YouTube é uma prática relativamente recente, sabia? O canal da publicitária gaúcha Tamirez Santos, de 26 anos, por exemplo, surgiu apenas como um blog. O Resenhando Sonhos teve início em 2014, mas o mesmo não tinha criado para falar exclusivamente sobre livros. “Eu comecei a escrever na internet quando eu tinha uns 13 anos e de lá para cá eu tive uns quatro blogs diferentes. Em 2014, eu criei o Resenhando Sonhos sem nenhum intuito de ele falar sobre livros. Comecei a falar sobre isso e percebi que as pessoas gostavam de ler e em abril de 2014 eu descobri o YouTube, enquanto plataforma para falar sobre livros e isso acabou ajudando que eu falasse sobre o assunto”, relata em entrevista realizada por telefone.
Inspirada por outros canais já existentes, Tamirez gostou da ideia de usar essa plataforma para fazer que pudesse ser parecido, mas com a sua cara. “Eu vi que tinham pessoas compartilhando as suas leituras no YouTube e achei que seria interessante falar também sobre as minhas opiniões. Então, surgiu em paralelo com o site, o canal”, completa.
Eles são tratados como celebridade, sabia?
Se você não acompanha os eventos literários, como a Bienal Internacional do Livro, e também não vê as redes sociais do booktubers – principalmente o Instagram, que mostra o dia a dia de cada um – você provavelmente não sabe como eles são recebidos por seus públicos nessas situações: como celebridades.
Os booktubers aparecem e logo em seguida conseguimos ouvir gritos de felicidades e palmas, além de falas como “Fulano, os seus vídeos são incríveis”, “Ciclano, eu te amo” ou “Beltrano, você me fez ler muito mais”. Para os fãs desses conteúdos sobre leitura que não perdem um único vídeo, encontrar com quem fala sobre seu livro favorito ou sobre a mesma coisa que você está lendo é como se encontrar com um grande ídolo e poder comentar sobre um universo que vocês dois conhecem.
Experimente falar com alguém que sabe tudo sobre os livros de Harry Potter ou de Game of Thrones para você ver como a conversa é diferente! Quando lemos, entramos em um universo que pode ser bem diferente da realidade e fazer com que só quem sabe de cada detalhe, entenda o que você está falando.
Para Mellory, quando o pessoal que assiste seus vídeos vai conversar com você, estando cara a cara, é uma coisa muito feliz. “É muito legal ter o feedback pessoalmente porque você tem um contato além das palavras, além das mensagens”, diz, rindo, ao contar que apesar de gostar bastante dessa experiência, ela não sabe onde se esconder por se considerar tímida.
Já no caso de Tamirez, apesar de ser do Rio Grande do Sul, ela comenta que seu público maior é de São Paulo e que só pode perceber isso realmente quando esteve na Bienal Internacional do Livro de São Paulo. “Esse contato mais pessoal ajuda bastante a ter uma aproximação do público. E assim como é muito legal, também é assustador porque você tem que desenvolver uma conexão com quem você não conhece, mas que a pessoa te conhece”, afirma. “É estranho, mas é muito legal, sabe?”.
Ainda em relação à sua presença na Bienal, a publicitária conta que a experiência deste ano foi bem bacana por ter tido bastante gente. “Esse ano a Bienal foi muito incrível porque foram muitas, muitas e muitas pessoas e é legal porque tem dos mais diversos tipos: da pessoa que não dá tempo nem de você perguntar o nome e ela já está perguntando ‘posso tirar uma foto com você’ e tem aquelas que querem conversar, compartilhar sobre uma leitura que acharam interessante, conta Tamirez, “é uma troca muito interessante”.
Os booktubers em função do incentivo à leitura
Acredito que os vídeos produzidos pelos booktubers são uma porta de entrada para quem deseja se interessar mais por livros e até mesmo se formar como leitor. Afinal, através da opinião de alguém que o jovem se identifique ele pode querer saber mais sobre uma determinada leitura ou ainda ficar com vontade de ler algo que foi indicado por um produtor de conteúdo.
Para Danilo Leonardi, de 32 anos, um dos membros do grande canal Cabine Literária e dono de um canal próprio, a Internet pode ser, sim, um meio de ajudar no interesse pela leitura. “A internet ajuda muito, porque a pessoa já está ali no YouTube, então você oferece algo que não tem relação com se banhar em Nutella nem nada parecido. Se a pessoa se interessar, já é uma vitória”, comenta.
No entanto, junto com essa questão do incentivo, acaba estando relacionado um assunto um pouco polêmico nesse meio que é o quanto é “permitido” que alguém sem uma formação de crítico literário exerça essa função. Vou explicar melhor: alguns profissionais do mercado editorial dizem que os booktubers não agregam no incentivo à leitura por não terem o entendimento de literatura ideal para falar sobre o livro. Complicado, não é?
“Há uma polêmica muito grande e que sempre existiu que é quem tem autoridade para falar de literatura. Isso é muito complicado porque estamos numa fase de transição muito grande colocada pela internet. Nem só quem estuda literatura está ali falando sobre literatura e é muito bonito isso, tenho muitos amigos advogados e engenheiros que falam sobre literatura e acabam incentivando uma galera a ler”, comenta Mellory.
A estudante de Estudos Literários acredita que são coisas bem diferentes entre o profissional formado para escrever um texto sobre determinada obra para um veículo específico e com um público bem definido e a pessoa que faz vídeos para seu canal e tem um contato com outras pessoas. E ela completa: ”O crítico literário pode ser ou não formado em uma faculdade como a minha, mas o que é válido no final é você incentivar a leitura, que é algo que eu aprendi nesses 8 anos de canal, de Literature-se em geral, o que importa mesmo é você pegar aquela pessoa que não lê ou que quer ler mais e ver que ela começou a ler algo que você indicou, por exemplo”.


